A obra de Mario de Andrade, Macunaíma – O herói sem nenhum caráter - é vista como uma clara transfiguração do Brasil, de formas e aspectos dos nossos traços nacionais. Macunaíma significa busca, descoberta e pesquisa sobre a raiz do nosso país, terra, natureza, as culturas, folclore, animais, plantas, mitologia indígena etc. Trata-se de uma obra aberta e plural. É uma hipótese, um estudo, uma reflexão. É importante destacar que Mario de Andrade como responsável por Macunaíma é também consequentemente responsável pela criação de uma nova linguagem literária, bem “abrasileirada”.
No Modernismo, Macunaíma, de Mário de Andrade, tem lugar de destaque. Além de servir como mote para discussões sobre originalidade e imitação, temas essenciais para o antropofagismo, já que o autor baseou-se na obra Roroima zum Orinoco, escrita pelo etnógrafo alemão Theodor Koch-Grünberg, Macunaíma deu um passo importante, na revisão do conceito de identidade nacional. Da análise crítica de textos literários que ficaram conhecidos como ícones do nacionalismo, na literatura brasileira, Mário partiu em busca de elementos que há muito já integravam a cultura do nosso pais, mas que, até então, não tinham recebido a devida atenção. Como o próprio autor afirmava, o intuito era o cumprimento da principal meta modernista, ―”a remodelação da inteligência nacional”.
Publicado em 1928, o livro é a obra que melhor se adequa as propostas do movimento da Antropofagia, criado por Oswald de Andrade no mesmo ano, pois tem como seu principal objetivo igualar às culturas brasileiras as demais.
Escrito em apenas seis dias, o livro é fruto de anos de pesquisa das lendas e dos mitos indígenas e folclores registradas em texto pelo autor em várias linguagens populares das mais diversas regiões do Brasil.
“Gastei muita pouca invenção neste poema fácil de escrever (...). Este livro afinal não passa duma antologia do folclore brasileiro”, Mario de Andrade.
Justamente porque se propõe a fazer esse inventário de costumes populares é que Macunaíma ganha visibilidade, constituindo verdadeiro marco no modo de abordar questões referentes à brasilidade. Em meio à industrialização que crescia aceleradamente, onde as fábricas tomavam conta das grandes cidades e o comércio prosperava rapidamente surge o herói, com condutas desconhecidas pelos padrões de comportamentos habituais – um herói mítico, mas principalmente por ser brasileiro e culturalmente mutável em suas fases representativas de um povo que está a procura da sua identidade nacional na memória da nação.
“Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandioso, é sublime. E nos dá felicidade” - Mário de Andrade a carta a Carlos Drummond de Andrade, 1924.
O Personagem
Mário criou como personagem um herói que vive em busca de uma “muiraquitã”. Essa “muiraquitã” é a entidade brasileira. O herói imperfeito, cujos defeitos ofuscam as qualidades é o homem brasileiro, cuja cultura imposta, afastou-o das origens. O herói sem nenhum caráter pode ser interpretado de duas maneiras: sem traço distintivos ou sem caráter moral. Macunaíma é apenas homem e, por isso, tem, dentro dele, o lado bom e o ruim, afinal, ninguém é perfeito. Junto com a mestiçagem há também a malandragem como traço constitutivo do brasileiro. A frase “Ai, que preguiça!”, citada diversas vezes na obra simboliza o estado de espírito do herói sem nenhum caráter.
- Sátira ao preconceito e influencia européia
A escritora Célia Magalhães relata em seu livro ( Os monstros e a questão racial na narrativa modernista brasileira) que a metamorfose de Macunaíma em branco (por fora) ilustra a caricatura de um projeto colonizador, em que o trânsito vadio do herói, nos espaços linguísticos e culturais do índio e do branco, traz a marca de sua contradição.
Podemos interpretar esse embranquecimento como uma contestação e uma reversão do discurso da colonização, como uma sátira ao racismo que constitui o fundamento do sistema colonial de desigualdade e denominação.
Contudo, trata-se de uma sátira a "devoração" eficiente, pela elite brasileira, da ideologia colonial de embranquecimento.
Podemos interpretar esse embranquecimento como uma contestação e uma reversão do discurso da colonização, como uma sátira ao racismo que constitui o fundamento do sistema colonial de desigualdade e denominação.
Contudo, trata-se de uma sátira a "devoração" eficiente, pela elite brasileira, da ideologia colonial de embranquecimento.
A escritora Gilda Mello e Souza, autora do livro O tupi e o alaúde - Uma interpretação de Macunaíma, afirma em sua obra que a paródia faz uma relação com os contos europeus, quando, por exemplo, a transformação de Macunaíma de indio negro em principe louro de olhos azuis, a preferencia de Macunaíma pela princesa chique em vez de Iriqui. Segundo a autora, isso também pode ser interpretado como uma representação da incapacidade brasileira em se firmar perante o modelo racial europeu.
Assim, Mario de Andrade ao escrever Macunaima sugere uma leitura menos idealizada, uma leitura diferente, não so por acreditar em um convivo positivo e harmonioso entre as raças, mas principalmente por não enxergar a miscigenação como uma característica desviante, ou como marca inquestionável de inferioridade em qualquer sentido.
Macunaima é um feixe de motivações atadas por um herói que propõe uma reflexão criativa sobre os significados e as atitudes envolvidas no tratamento do principal tema de sua época: a identidade da cultura Brasileira.
- As Transformações – busca simbólica do caráter nacional
Na obra o herói se transforma inúmeras vezes: de criança feia vira príncipe encantado depois imperador do Mato Virgem, depois malandro da cidade de São Paulo até se transformar na constelação Ursa Maior.
- Sexualidade
Macunaíma, o herói nascido numa tribo amazônica, é um menino diferente, desde muito pequeno é mentiroso, fala palavrões e pratica muitas safadezas. O primeiro capítulo da obra, mostra que a sexualidade do herói começa cedo, ao narrar o relacionamento do personagem ainda criança com Sofará, mulher de seu irmão Jiguê. Em seguida o herói parte de sua “terra” em busca da muiraquitã, e vive outras aventuras sexuais pelo caminho. Ao se relacionar com outras mulheres sem compromissos, Macunaíma exerce sua luxuria livre de tabus ou limites morais
Lendas e os Mitos religiosos
Em busca de conhecer o “mundão”, o herói se relaciona com CI a Mãe do Mato, rainha das icamiabas, tribo das amazonas e se transforma em Imperador do Mato-Virgem. Do fruto desse relacionamento nasce um menino de cor encarnada e cabeça chata que morre o beber o leite do seio de sua mãe infectado pelo veneno da cobra preta. Um dia depois do enterro, ao visitar o túmulo de seu filho Macunaíma vê que sobre ele nascera uma planta: o guaraná.
Depois do enterro do menino, Ci entrega a Macunaíma uma muiraquitã e sobe aos céus, utilizando-se de um cipó. Continuando a caminhada, Macunaíma e os irmãos enfrentam a boiúna Capei, a cobra-grande. Na fuga, o herói perde o muiraquitã. Os três irmãos a procuram, mas sem resultado. Afinal, o Negrinho do Pastoreio envia a Macunaíma um uirapuru e este revela que a sua pedra-amuleto está nas mãos de Wenceslau Pietro Pietra.
Em São Paulo, o herói segue Wenceslau Pietro Pietra, que na verdade é Piaimã, o gigante comedor de gente. Piaimã mata o herói e dele faz torresmo para comer com polenta. O herói revive graças a ajuda de seu irmão Manaape.
Macunaíma vai ao RJ pedir proteção a Exu, em um terreiro de macumba. Macunaíma pede vingança contra o gigante Piaimã. Exu promete ajudar o herói e, e o gigante sofre.
Em suas andanças por SP, Macunaíma interrompe a cerimônia do Dia do Cruzeiro, quando conta a lenda indígena do pai do Mutum, que é o verdadeiro Cruzeiro do Sul.
A Carta Pras Icamiabas
- Ação simbólica que denuncia um projeto histórico de homogenia cultural baseado na mistura
A carta do herói às Icamiabas é um pedido ao seu povo de auxilio de custo para sua permanência na cidade. O herói analfabeto, usa uma linguagem culta de forma dissimulada que fez e faz parte da nossa cultura, pois tem como principal finalidade a manipulação. Vivemos isso ao longo desses anos em todos os processos de civilização, nos discurso pré-fabricados de nossos políticos. “As mui queridas súbditas nossas, Senhoras Amazonas”. (pág. 71 – cap IX).
De acordo com o blog Recanto das Letras, o herói usa em seu discurso termos poéticos e camoniano que tem o objetivo de impressionar e comover o leitor. Tal qual as campanhas politicas brasileiras, que estão repletas de discursos poéticos e utópicos, cujo o objetivo é impressionar e comover a grande massa do eleitorado brasileiro.
Este capitulo reforça a ausência de caráter do herói quando ele discorre sobre as mulheres paulistanas em relação as Icamiabas: “Sabereis mais que as donas de cá não se derribam as pauladas, nem brincam por brincar, gratuitamente, senão que as chuvas d vil metal, repuxos brasonados de champagne, e uns monstros comestíveis, a que, vulgarmente dão o nome de lagostas”.
Em resumo, o herói demonstra ironia, poder e dissimulassão usando uma linguagem culta falsa, que serve como instrumento de manipulação, que tem se perpetuado ao longo do tempo, e das históricas manipulações politicas, das quais somos vitimas desde o inicio da nossa história.
Rapsódia
De acordo com o site Wikpédia, a Rapsódia é uma justaposição, de escassa unidade formal de melodias populares e de temas conhecidos, extraídos com frequência de óperas e operetas. Também pode ser associada a uma peça próxima ao improviso, com fulcro em temas de inspiração folclórica (como podemos ainda ver na literatura, em Macunaíma, de Mário de Andrade); recitação de um poema (épico, geralmente), como ocorria na Grécia antiga; episódio de poema homérico.
O livro é classificado como rapsódia porque foi escrito com base nas pesquisas das lendas, mitos indígenas e dos mitos folclóricos utilizando a linguagem popular de várias regiões do Brasil.
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